A vitória peronista na província de Buenos Aires —maior colégio eleitoral da Argentina— não só impõe um revés ao governo como embaralha as opções de reação de Javier Milei. O efeito político ultrapassa o âmbito local e deve reorientar a disputa até outubro, quando ocorrem as cruciais eleições legislativas.
Aliás, muitos têm chamado o pleito deste domingo (7) de local, mas imagine se no Brasil houvesse uma eleição com todos os eleitores de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, e que, nelas, a oposição arrasasse os candidatos apoiados pelo governo federal. Pois, esse foi o tamanho da derrota de Milei, em termos proporcionais.
O presidente apareceu na mesma noite em registro contido para seus padrões. Reconheceu a “clara derrota”, pedindo que ela fosse aceita e prometendo “corrigir erros políticos” —ainda que com as devidas ressalvas na comparação, o respeito às urnas o fez destoar de seus aliados Donald Trump e Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, Milei ratificou integralmente o programa econômico e indicou que pretende seguir “com todas as bandeiras do La Libertad Avanza”, a de ajustes e cortes em entidades mantidas pelo Estado.
Até outubro, o roteiro para Milei é preservar o tom institucional (supostamente orientado nos bastidores a fazê-lo), entregar sinais tangíveis de preços e renda no curto prazo, ampliar coalizões no Congresso e disciplinar o entorno político.
O problema, porém, não é mais o que ele prometeu fazer, e sim como o fará. Como desmontar o que construiu com sua chamuscada irmã Karina Milei, de quem é um verdadeiro vassalo? Se ela, por acaso, sair do governo por causa dos desvios da Andis (órgão que cuida de políticas para pessoas com deficiência), como seria seu governo? Essa interrogação reina nas análises de estudiosos políticos. Haverá um mileísmo sem Karina?
Como notaram analistas locais, o resultado da província de Buenos Aires expôs um dado qualitativo incontornável: o peronismo continua vigente no seu principal reduto.
O wishful thinking de todo político, jornalista ou ativista conservador vinha sendo poder bradar: “o peronismo morreu”. Pois essa etapa acaba de ser jogada, novamente, para um futuro incerto. Na noite de ontem, a maioria dos eleitores da principal província do país se levantou disposto a eleger o peronismo como freio da política de ajustes de Milei.
No campo vencedor, o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, convidou o presidente a “ter coragem para trabalhar junto”, com foco em renda, emprego e serviços essenciais. Para Milei, o desafio imediato é conter o dano e recuperar a iniciativa. Precisará recompor pontes com aliados não peronistas e elevar o comparecimento onde a abstenção pesou. Sem ampliar a base legislativa e territorial, a promessa de acelerar o rumo pode esbarrar em limites políticos concretos.
O mercado já precificou parte dessa incerteza, com queda na Bolsa e alta do dólar. Em análises anteriores, o JP Morgan já atribuía a volatilidade sobretudo ao risco político, e não ao esgotamento do programa macroeconômico, avaliando que atravessar o ciclo eleitoral ajudaria a estabilizar expectativas —condição que agora fica mais custosa.




