Nos últimos meses, o Irã enfrentou bombardeios israelenses e sanções americanas. Hoje, a emergência está nas suas torneiras: o país enfrenta a pior seca em mais de seis décadas. A situação é calamitosa na capital, Teerã, cuja área metropolitana conta com mais de 15 milhões de habitantes.
O governo estuda medidas drásticas, incluindo sugestões de evacuação da cidade, a mais populosa do país. Uma outra solução, anunciada nos últimos dias, é semear nuvens, na expectativa de colher tempestades.
“É algo que nunca vimos antes”, diz Kaveh Madani, diretor do Instituto de Água, Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas, o braço acadêmico da ONU. Um conhecido ambientalista e ativista, Madani também já chefiou os times de negociadores do Irã nas cúpulas do clima.
Este é o sexto ano seguido de seca no país, que, para piorar, está localizado em uma região naturalmente árida do planeta. As reservas chegaram ao limite e nem mesmo a temporada de chuvas, que começa agora, deve resolver o problema de uma maneira satisfatória, afirma Madani.
É praxe, hoje, culpar a mudança climática por essas catástrofes. “Mas temos de tomar cuidado para não usar isso para explicar tudo”, diz Madani.
Falar de aquecimento global pode fazer parecer que esses são fenômenos inevitáveis. Fica também parecendo que a única solução possível é reduzir as emissões de carbono no mundo inteiro —o que livra os políticos de tomar medidas mais imediatas e de assumir responsabilidades, destaca o especialista.
“Os tecnocratas tiveram muita confiança na tecnologia e construíram a infraestrutura do país sem levar em conta que a água é um recurso limitado”, afirma.
Nessa perspectiva, as autoridades também subsidiaram uma agricultura ineficiente que hoje consome cerca de 90% da água do país. “Não entenderam o papel da água na economia política e, agora, não podem retirá-la dos fazendeiros.”
A mudança climática agrava, assim, uma situação que já era extrema. A imagem que Madani usa é a de alguém derramando gasolina em uma casa em chamas. Cientistas já alertam há anos, nesse sentido, que o Oriente Médio é uma das regiões mais vulneráveis à crise climática —ali, a escassez de água é de longa data.
Madani diz que agora cabe a Teerã tomar medidas em dois tempos: no imediato e no futuro. Ainda que chova e as reservas transbordem, isso não mudaria o fato de que o país foi planejado de forma insustentável e precisa ser repensado.
Para o curto prazo, as autoridades têm implementado o que é chamado de semeadura de nuvens, um termo poético para se referir à prática de dispersar substâncias que favorecem a precipitação, como iodeto de prata. O Irã usa, para isso, drones —a mesma tecnologia que utilizou durante os conflitos recentes contra seu arqui-inimigo regional, Israel.
Diversos outros países têm explorado essa possibilidade, apesar de cientistas climáticos, incluindo Madani, serem reticentes. As nuvens precisam de vapor d’água para serem semeadas, o que limita os resultados. Além disso, não está claro se pode haver impactos negativos ao alterar ciclos naturais.
Falando em nuvens, algumas autoridades iranianas já chegaram a sugerir que rivais regionais do Irã estão causando a seca atual com técnicas opostas à de semeadura, isto é, manipulando o clima para que não haja precipitação. Madani sugere que essas teorias de “roubo de nuvens” às vezes repercutem entre a população de Teerã, em busca de explicações palatáveis para a crise.
A outra solução aventada, evacuar Teerã, tampouco resolveria o problema. “O presidente sabe que não é viável, e meu palpite é que ele falou nisso apenas para demonstrar a seriedade da situação”, diz.
Não está claro, por exemplo, para onde as pessoas iriam, dado que o restante do país também enfrenta seca. O que pode ser feito, com mais tempo, é começar a transferir as instituições do governo para outras regiões, desafogando a capital. Mas, mesmo assim, não solucionaria o longo prazo.
Uma medida mais limitada, porém possível, seria incentivar parte da população a deixar a cidade. Isso já foi feito no passado, em tempos de falta de eletricidade. Para isso, Teerã poderia prolongar os finais de semana e os feriados nacionais para que as pessoas passem mais tempo no interior, visitando suas famílias.
Mas o que Madani sugere, para agora e para o futuro, é repensar o país. É preciso, por exemplo, reduzir o abismo entre o consumo e as reservas de água. Em outras palavras, as pessoas precisam aprender a usar menos água. Enquanto isso, o país precisa construir novas instalações para tratamento de água.
A análise de Madani, dito isso, não é alentadora. “Ainda que chova agora, isso não vai reverter os leitos secos dos rios nem a desertificação, pois o estrago já foi feito”, diz.
Os iranianos têm, portanto, de se adaptar a essa nova realidade. “É como um corpo envelhecido. Se você não cuidou dele no passado, não vai conseguir virar, agora, um maratonista. O que pode ser feito é evitar ainda mais danos, para conseguir viver um pouco mais.”




