O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abriu uma nova frente militar na África e ampliou a ofensiva contra o Estado Islâmico ao atacar integrantes do grupo terrorista na Nigéria, na quinta-feira (25). Há uma semana, os alvos de Washington estavam na Síria, bombardeada na semana passada com o objetivo de punir membros da facção que estariam ligados a um ataque contra americanos.
Na ocasião, um integrante do Estado Islâmico armou uma emboscada na cidade de Palmira, no centro do país, e atacou um comboio de forças americanas e sírias antes de ser morto a tiros, segundo as autoridades. A ação feriu três militares e matou dois soldados do Exército e um civil que trabalhava como interpréte, ao que Trump prometeu retaliação.
Já na Nigéria, o bombardeio aconteceu quase dois meses após o presidente americano chamar a nação de “país desgraçado” numa publicação na plataforma Truth Social, dizer que interromperia todo tipo de assistência ao país africano e afirmar que pediu que o Departamento de Defesa se preparasse para uma ação militar.
“Se atacarmos, será rápido, violento e certeiro, assim como os bandidos terroristas atacam nossos estimados cristãos”, escreveu. Na mesma época, o governo americano recolocou a Nigéria na lista de “países de preocupação particular”, que elenca nações que os EUA dizem ter violado a liberdade religiosa, incluindo China, Mianmar, Coreia do Norte, Rússia e Paquistão.
Trump disse na ocasião que considerava utilizar diversas opções militares contra Abuja devido a supostos ataques em massa de cristãos, incluindo o envio de tropas ou o lançamento de bombardeios aéreos —no dia de Natal, mais de uma dúzia de mísseis de cruzeiro Tomahawk foram disparados de um navio da Marinha e atingiram o estado de Sokoto, segundo um militar americano que falou sob condição de anonimato ao jornal The New York Times.
“Eu já havia alertado esses terroristas de que, se não parassem com o massacre de cristãos, haveria consequências terríveis, e esta noite, elas vieram. O Departamento de Guerra executou inúmeros ataques perfeitos, como somente os EUA são capazes de fazer”, escreveu Trump no Truth Social após a ofensiva. As autoridades não informaram quais alvos foram atingidos, nem quantas pessoas foram mortas.
Em entrevista à emissora nigeriana ChannelsTV nesta sexta-feira (26), o ministro das Relações Exteriores do país, Yusuf Tuggar, afirmou que os ataques aéreos foram autorizados pelo presidente Bola Tinubu —informação confirmada também pelo Pentágono—, e que pode haver mais bombardeios. “É um processo em curso e estamos trabalhando com os EUA. Também estamos trabalhando com outros países.”
Abuja forneceu a Washington, disse Tuggar, informações sobre membros do Estado Islâmico antes da ofensiva. Houve também uma conversa por telefone entre o ministro e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio. “Conversamos duas vezes: por 19 minutos antes do ataque e voltamos a nos falar por cinco minutos antes do início do ataque.”
Tuggar ainda afirmou que, embora tenha agido em conjunto com a Casa Branca, o governo nigeriano não visou qualquer religião. “A Nigéria é um país multirreligioso, e estamos trabalhando com parceiros como os EUA para combater o terrorismo e proteger vidas e propriedades”, disse.
O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, também disse que pode haver mais ataques. “O presidente foi claro no mês passado: o assassinato de cristãos inocentes na Nigéria (e em outros lugares) deve acabar. O Departamento de Guerra [como Trump tentou renomear a pasta da Defesa] está sempre pronto, como o Estado Islâmico descobriu esta noite —no Natal. Mais por vir. Grato pelo apoio e cooperação do governo nigeriano”, escreveu no X.
Em entrevista ao site Politico, Trump afirmou nesta sexta-feira que a ofensiva estava programada para a quarta-feira (24), mas foi adiada para o dia seguinte por sua ordem. “Eles iam fazer isso mais cedo e eu disse: ‘Não, vamos dar um presente de Natal’. Eles não esperavam por isso, mas os atingimos com força. Todos os acampamentos [do Estado Islâmico] foram dizimados.”
Membros da direita cristã nos EUA e na Europa tentam incluir a violência na Nigéria em um contexto de perseguição religiosa, mas o próprio governo do país rejeita a narrativa. Ainda assim, Abuja cooperou com Washington como forma de evitar uma ação unilateral dos EUA, responder às ameaças de Trump e usar a estrutura americana para combater grupos insurgentes.
“As autoridades nigerianas mantêm uma cooperação estruturada de segurança com parceiros internacionais, incluindo os Estados Unidos da América, para enfrentar a ameaça persistente do terrorismo e do extremismo violento”, escreveu o Ministério das Relações Exteriores no comunicado que confirmou que “ataques de precisão em alvos terroristas” foram feitos no noroeste do país.
A Nigéria vive um dos contextos de violência mais graves do mundo. O país concentra conflitos armados, terrorismo, disputas étnicas, colapso institucional, pobreza extrema e criminalidade organizada que atingem comunidades inteiras —incluindo cristãos, muçulmanos e pessoas que não seguem essas religiões.
Com mais de 230 milhões de pessoas e cerca de 200 grupos étnicos, o país africano se divide entre a predominância muçulmana ao norte e a maioria cristã no sul. Dados do grupo americano Acled (Banco de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados, na sigla em inglês), mostram que há pouca diferença entre cristãos e muçulmanos no número de mortes em ataques nos quais a religião foi um fator declarado.
A região atingida pelos ataques aéreos desta quinta sofre desde 2024 com a crescente violência de membros da seita Lakurawa, movimento afiliado ao Estado Islâmico que impõe regras rigorosas em aldeias na área e que foi declarado como organização terrorista pelo governo da Nigéria neste ano.
“É muito provável que este seja o grupo ao qual Trump se referiu ao mencionar ataques militares dos Estados Unidos na Nigéria”, disse Confidence MacHarry, analista sênior da SBM Intelligence, consultoria especializada no continente africano, à agência Reuters. “Eles também foram ligados a roubo de gado, com a maioria dos animais roubados acabando em mercados ao longo da fronteira entre Nigéria e Níger.”
Kabir Adamu, diretor-gerente da Beacon Security and Intelligence Limited, empresa nigeriana de gestão de riscos, segurança e inteligência, questiona a eficácia dos bombardeios para combater os Lakurawa e outros insurgentes. “Fomos informados de que o governo nigeriano aprovou o ataque, mas por que a vila de Jabo, quando não há registro de nenhum grupo lá?” disse à agência Reuters.
Habitantes dos vilarejos remotos do estado de Sokoto, perto do Níger, se assustaram ao testemunhar “uma explosão forte, que sacudiu toda a cidade”.
“No início, pensamos que poderia ser um ataque dos Lakurawa, mas depois soubemos que eram drones americanos. Isso nos surpreendeu, porque esta região nunca foi um reduto dos Lakurawa e, nos últimos dois anos, não sofremos nenhum ataque “, disse Haruna Kallah, morador da vila de Jabo, à agência de notícias AFP.




