O SASA!, programa ugandês reconhecido mundialmente por reduzir a violência contra mulheres, não é uma iniciativa para punir agressores, nem um pacote de leis. É um programa de mobilização social que tem como premissa a obviedade de que a violência contra mulheres está fundamentada no desequilíbrio de poder estrutural.
A organização Raising Voices criou uma metodologia para reunir homens e mulheres para conversarem sobre poder, respeito e convivência. Como consequência, trataram de machismo, submissão, controle sobre as mulheres e do desejo de compartilhar poder, em vez da dominação pela força. A proposta do SASA! é desenvolver com seriedade um processo comunitário, em diferentes fases, entre vizinhos, famílias, lideranças locais, igrejas.
O programa foi aplicado e rigorosamente avaliado no leste e no sul da África. Nas comunidades onde foi desenvolvido, os relatos de violência física por parceiro íntimo caíram 52% em comparação com comunidades de controle. Com apoio da ONU, a metodologia foi adaptada para diferentes contextos —áreas rurais da Tanzânia, comunidades no Haiti e campos de refugiados no Quênia— com aprendizado documentado pela ONU Mulheres.
Os bons resultados indicam que a raiz da violência contra mulheres não está em características específicas de cada lugar, mas na hierarquização machista que submete mulheres na maior parte do mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1 em cada 3 mulheres no mundo já sofreu violência física ou sexual por parceiro íntimo. A violência doméstica, portanto, não se explica apenas pelo caráter de uma pessoa. Quem violenta são os homens conhecidos e amados, não monstros distantes. A raiz do feminicídio está em normas sociais e culturais, nas crenças sobre masculinidade, controle, posse, honra, nas relações de poder desiguais. Precisamos enfrentar a violência por essa raiz.
Diferentes estudos apontam o que os bons resultados do SASA! comprovam: a prevenção funciona. Reagir à violência depois que ela acontece é insuficiente. Polícia, abrigos, apoio são importantes, é evidente. Mas precisamos de políticas públicas para evitar que a violência comece ou que escale.
Revisões recentes de literatura mostram que mobilização comunitária, educação de gênero, mais poder para mulheres e envolvimento dos homens reduzem a incidência de violência de forma significativa. Recomendo a leitura do artigo “Intervenções para prevenir ou responder à violência doméstica contra mulheres e à violência contra crianças: uma revisão sistemática”, publicado em 2024 na The Lancet Public Health, que analisou 30 intervenções para reduzir violência em 16 países e reforça a importância da prevenção.
Uganda nos ensina que lei e punição sem mobilização social não resolvem; é preciso envolver profundamente as comunidades, não apenas vítimas ou profissionais. E que gênero e poder precisam ser debatidos por todo mundo, mulheres, homens, crianças, adolescentes. A transformação é coletiva, não individual.
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