Ilustrativa uma reportagem da NPR, rádio pública americana, veiculada dias atrás. Nela, uma imigrante guatemalteca radicada nos EUA conta que entrou com a filha em uma loja na cidade de Tampa, na Flórida, procurando um vestido para a festa de 15 anos da jovem. Os vendedores começaram a mostrar o que havia de pior no estoque. Desconfiada do atendimento, sussurrou para a filha: “Vamos sair daqui agora. Eles vão chamar a polícia”.
As duas saíram às pressas, tocadas pelo sentimento de que uma batida iria acontecer em breve. Sem revelar seu nome, a imigrante admitiu à emissora que tem sido um pesadelo viver assim: quer voltar para a Guatemala. O marido, trabalhando há 20 anos nos EUA, não pensa nisso. E a filha, recém-chegada à high school, gostaria de saber por que tanto medo no país que chama de pátria.
Esse drama familiar se intensifica desde que Trump voltou à presidência, há onze meses. Sua caça aos “criminosos”, referência genérica a imigrantes, acaba de chegar a Charlotte, na Carolina do Norte, outro estado governado por democratas. A ordem é prender. Em Los Angeles foram 9 mil. Na Flórida, 7 mil. Em Chicago, 3 mil. Em Washington, 6 mil. E por aí vai. Estes números oscilam, mas houve cerca de 60 mil prisões desde janeiro de 2025, lotando centros de detenção.
Já o Departamento de Segurança Interna afirma que 1,6 milhão de imigrantes se autodeportou nos últimos tempos. Não por milagre, mas pelo pavor de ser acossado nas ruas, no local de trabalho, na saída da escola, apartado da própria família ou de parar em uma prisão infernal em Guantánamo ou El Salvador. A verdade é que, mesmo entre imigrantes de situação mais estável, o clima é de insegurança.
Relatório do Conselho Americano de Imigração, que advoga tratamento justo para quem decide ou precisa viver nos EUA, fala do custo humano das políticas migratórias de Trump e o desarranjo que elas provocam no país.
Um dos pontos de atenção da entidade tem a ver com os milhares de asilados sem qualquer suporte. Afinal, o que terá levado um afegão de 29 anos a atirar em oficiais da Guarda Nacional em Washington, nesta quarta (26), sendo beneficiário de um programa governamental de proteção? Retraçar esta história de vida pode ser esclarecedor.
Mas os “ilegais” vão pagar caro, esperneia Trump, incapaz de se entender com as suas generalizações. Não bastasse ter um czar das fronteiras (Tom Homan) e uma secretária de Segurança Interna que iguala imigrante a terrorista (Kristi Noem), ele agora exalta um chefe de polícia, chamado Gregory Bovino. O caso é curioso.
Depois de reprimir em Los Angeles e Chicago, Bovino desembarcou em Charlotte com pinta de herói do presidente e ídolo do Maga. Seus homens já mataram um mexicano e um guatemalteco suspeitos de nada. No entanto, ele não desiste de usar o padrão racial para fazer seus alvos. Diante da Justiça, disse que o uso da força bruta nas operações sob seu comando tem sido exemplar. Propagandeia que fez de Los Angeles um lugar mais seguro e que estará presente onde o dever o chamar.
Este é o novo garoto-propaganda da ofensiva anti-imigrante de Trump. No fundo, um homem rompido com as origens. Os primeiros Bovinos desembarcaram nos EUA no século 19, vindos da Itália. Não fosse a rota familiar, talvez o patrulheiro não tivesse chegado ao estrelato.
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