O comitê que escolhe o Prêmio Nobel da Paz quase sempre usa o galardão para estimular defensores da democracia.
Em 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel recebeu a láurea por “seu compromisso com a defesa da democracia e dos direitos humanos diante das ditaduras do Cone Sul”. Nos anos subsequentes, esses países de fato se redemocratizaram.
Em 2016, apenas dias depois de receber um rotundo “não” nas urnas pelo plebiscito pelo acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o colombiano Juan Manuel Santos recebeu o mesmo prêmio. Semanas depois, o acordo foi assinado.
São exemplos que se circunscrevem à América Latina, mas há outros pelo mundo.
O prêmio para María Corina Machado é um endosso global às aspirações da sociedade venezuelana de se livrar da ditadura chavista. Revitaliza a importância histórica da eleição presidencial de 28 de julho de 2024, uma das maiores fraudes a que o mundo assistiu nos últimos tempos, como afirmou o politólogo Steven Levitsky.
Para os que viam como iminente um ataque militar ao Palácio de Miraflores, devido às ações do governo de Donald Trump, o Nobel não garante, mas aponta que essa não seria uma boa ideia. É certo que María Corina respalda os republicanos na Casa Branca. Mas não porque jamais tivesse almejado um conflito armado.
Em várias reuniões e entrevistas que tive a oportunidade de ter com ela, em Caracas, nos últimos anos, María Corina sempre defendeu uma solução pacífica. Jamais afirmou que queria ver mísseis sobrevoando Caracas, mas também nunca defendeu “negociar” com Nicolás Maduro. Por uma razão prática: o ditador venezuelano, em mais de dez “negociações de paz” mediadas por outros países, sempre mentiu ao prometer eleições livres. Até aqui, fraudou todas.
Para María Corina, o que pode resolver a questão venezuelana não é necessariamente o diálogo, mas sim uma diplomacia agressiva e o respeito a uma mais enfática ação da sociedade civil (quase 90% rejeitam a ditadura chavista, segundo o Datanálisis).
É necessário dizer que ela não é uma unanimidade na oposição, por ser de direita, por seu conservadorismo e seu catolicismo exacerbado. Mas trata-se de questões pessoais, que não deveriam intervir em sua atividade política.
Em 2024, conseguiu alcançar o apoio de todos, mas guarda enormes diferenças com a geração mais nova que ela, de Juan Guaidó, Leopoldo López e outros líderes, que quiseram posar como “salvadores da Venezuela“, escanteando-a, e por serem mais liberais. Mas o fato é que não conseguiram. María Corina tem uma história que eles não têm. Foi das principais opositoras de Maduro na Assembleia Nacional, desde antes de Hugo Chávez (1954-2013) ser rotulado como ditador.
Em 2024, pode-se ver como arrematou milhares de pessoas em sua campanha. Guardo de meus encontros com ela em Caracas ao longo dos anos a imagem de uma mulher em um processo de entrega absoluta. María Corina nem sequer pode fazer um voo nacional e tem de ir de moto ou de carro a qualquer parte da Venezuela, tem os filhos morando nos EUA e não pode visitá-los por um impedimento do regime.
Infelizmente, a ditadura chavista não se importa nada com a pressão internacional, como vimos no pós-2024. O Nobel a María Corina, que vive de modo clandestino em algum lugar de seu país, pode não reverberar entre os poderosos do país. Mas, demonstra, ao menos, que o mundo não esqueceu as atrocidades do regime venezuelano. E isso é positivo.




