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HomeMaceió"Como se condenar no Brasil, onde quem foi rei sempre é majestade?"

“Como se condenar no Brasil, onde quem foi rei sempre é majestade?”

Antropólogo Rberto DaMatta:

“E se o acusado ocupa o cume da hierarquia social e tem a lealdade de um poderoso conjunto de elos sociais? Como tirar do jogo político um presidente ou ex-mandatário da República com sinal de realeza e, eis a questão, capaz de um dia voltar para ferrar conosco?

Como metê-lo na cadeia como um cidadão comum, na sociedade do ‘Você sabe com que está falando?’. Terra na qual a submissão às leis é sinal de inferioridade e isolamento? Onde o cargo eletivo revive privilégios aristocráticos e soma votos a relações. Pois o eleito pertence a um partido, mas tem mais lealdade às suas ‘turmas’ que podem estar na casa, na fábrica, quartéis, indústrias, imprensa televisiva, bancos, esquerda e direita jornalística?

Como fazê-lo ver o sol nascer quadrado se ele certamente pode voltar a esse nosso ‘poder’ que é relacional, personalizado, salvacionista e tem a capacidade de anular conflitos de interesse e de anistiar condenações? Não se esqueçam: no Brasil, quem foi rei sempre é majestade.

Ao contrário dos puritanos e calvinistas americanos que hoje Donald Trump desonra com sua agressiva e belicosa incoerência, oposta ao ascetismo, a disciplina e ao autocontrole puritano, no Brasil ter capital financeiro sem prestígio ou força política pode dar cadeia ou processo. Entre nós, prestígio político é sinônimo também de malandragem, que elege pelo inadmissível slogan do ‘rouba, mas faz’ justamente porque o povo tem o realismo de saber que política e ladroagem malandra são sinônimos.

Como, pois, condenar?

Lembrem-se de que no nosso ‘outro mundo’ temos o Purgatório, que tudo equilibra com sua leniência equivalente às demoras dos nosso processos jurídicos. Quem lá chega, sobe ao andar superior, graças a todo esse aparato de oitivas, audiências de custódia, presunções de inocência e outras mil figuras legais destinadas a promover os jeitinhos das indulgências.

Nosso sistema jurídico, como nossa ética política, confirma uma cosmologia religiosa católica romana que resiste à ética do culpado ou inocente, do tudo ou nada do individualismo. Nosso sistema moral ignora os conflitos de interesse sem os quais é difícil praticar a igualdade como um valor.

Para os que cancelam o meu pensamento, retruco que minhas observações não têm como fim amarrar o Brasil ao seu passado colonial aristocrático e escravocrata.

O que realço são as implicações histórico-culturais desses fantasmas de um passado que todos temos o dever de encarar nas suas sobrevivências antidemocráticas.”

Fonte: TNH1

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